sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Fez se então a chuva e a vontade de ficar
pela ingênua voz cortante da lua
calei-me e sentei
E minha saliva fez molhar o pão
e a porta a fechar o vão

Fez se a febre nos lençóis
a febre que mata dois a sos
que destila o sangue no grito da epiderme
e a chuva persiste e chama o trovão
e a lua se apaga só nos resta o clarão

Fez se o sono em nossos corpos
o os sonhos na cabeça a visitar
o cobertor se fez menor
embaixo do travesseiro a contradição
em cima da cama a benção

quinta-feira, 23 de outubro de 2008


Não sei se foi verde,

Ou foi verdade

Mas algo vi no teu olho

Pecado ou piedade,

O que eu tive na tua mão

Nossas carnes expostas

Exaustas na chuva

Mas fora vertigem

E também veneno

E não fomos sóbrios

Nem nobres

Mas tampouco impróprios

E porque haveríamos de ser?

Já ousamos viver

Sobre a sobriedade

E nos esganamos

E nos enganamos

Também

Nos corrompemos

E embeberíamos os primeiros goles

Que macios passos

Descem pela garganta até nosso eu.

terça-feira, 21 de outubro de 2008

Conto_ Por fora da vida


Ela deitou primeiro, seus longos cabelos por sobre as pernas dele, depois resvalou as mãos por debaixo dos cabelos fazendo com que seu pescoço ficasse nu sobre o tecido de suas calças, já com a cabeça acostada nas pernas dele ela torce levemente seus cabelos fazendo escorrer um pouco de água pelas pontas de seus dedos. As mãos dele se encontravam extremamente inquietas, como se acompanhadas de uma forte vibração que sentia em sua caixa toràxica por sua respiração ofegante, suas costas encostadas no tronco de uma velha arvore de sombra espessa davam a ele a sensação de ser balançado com folha seguindo a sua própria respiração. Os olhos dela expostos aos primeiro raios de sol da manhã pareciam maiores do que na noite anterior, suas pupilas eram tão pequenas como algumas das pintas que ela trazia no rosto. Seus corpos estavam tão sujos como os de quem saíra de um campo de batalha. Pernas enlameadas, pés desprovidos de sapatos, chinelos, ou meias, roupas umedecidas por suor e chuva. Ele olha pra ela e entreabre a boca deixando por fim seus dentes deslizarem pelos lábios inferiores, e soltando um leve suspiro.

-Shhhhiiih! Preste a atenção!-exclamou ela erguendo levemente seu dedo em direção a boca dele - Não digas nada! Nem o faça, não podemos perder esse pequeno momento - Em seguida fechou seus olhos e lhe segurou a mão. Ele por sua vez acatou o que ela havia dito, permaneceu em silêncio, dando espaço ao único som ouvido por ali, o canto dos bem-te-vis.

Passados alguns instantes ela poe-se sentada e furtivamente o beija de forma um tanto desesperada, sentindo cada segundo passando correndo por suas veias.

-Vais mesmo voltar? – pergunta-lhe ela com ar de sofreguidão.

Ela balança a cabeça pra cima e pra baixo uma única vez, sem coragem de abrir a boca para dar vida verbal á sentença que ele já havia decidido.

-Me amas? -Novamente o questiona inconformada.
-Talvez nem Deus possa amar na mesma medida que eu a amo!-responde ele com os olhos fincados em sua face.

-Se verdade fosse não voltaria!

-Um homem que mata seu pai de desgosto e sua mãe de vergonha, não é digno de mais nada além da prisão.

A grama verde tornasse uma pintura em aquarela dentro dos olhos dela tremendo e escorrendo junto as suas lágrimas caladas.

-Porque não podemos ficar todos juntos aqui - diz ela agarrando forte a mão fria dele contra seu seio esquerdo.

-Tenho que voltar, mas nos veremos de novo se você ainda estiver aqui.

-Não sei quanto tempo poderei ficar embaixo dessa arvore, mas ficarei o maior tempo possível a tua espera.

- Não se sacrifique, mas ouça. Caso volte, antes de mim, que seja como um homem, assim será mais madura. E então eu farei o contrário.

- Fique e não voltaremos nunca, viveremos aqui por toda eternidade. Sem riscos de nos perdermos ou coisa assim.

-Preciso mesmo voltar, e cumprir minha sentença.

-Vais voltar pra sentir dor.Chorar, sofrer, tudo como na primeira chegada.

-É passageiro.Não maldiga, tanto assim, o cenário de nosso primeiro encontro.

-Vou estar aqui solitária a sua espera todo esse tempo que Deus sabe o quanto será.

-Acalme-se, amor, o tempo passa mais rápido para ti do que para mim lá dentro, ademais já pedi para que ficasse com um pedaço de minha alma aqui contigo.

Os olhos dela brilharam aceitando o ultimo consolo para sua tristeza, e ela agarrou com suas mãos - que se encontravam, agora, limpas assim como seus pés e suas roupas agora brancas – um pano branco de algodão que continha ali o seu pedaço, e então segurou entre o ventre e os braços deixando assim ele sair da sua vista. Restando apenas ela, o pedaço, a grama e a arvore em meio ao nada.

Já fora dali ele abre os olhos é lá esta o corpo dela em seus braços, com suas roupas e pernas com lama, seus cabelos úmidos, ele retirou o corpo dela de cima do dele, passando a mão tremula e suja de sangue pelo rosto da moça.

Alguma voz anuncia a uma dezena de pessoas que se encontravam ao redor.

-Deus do céu ele está vivo!

Ele baixa a cabeça olhando novamente para o corpo morto de sua amada, e pensando que teria de se levantar e seguir ali dentro por algum tempo, pensa sobre a exclamação do estranho e responde pra si. “ Se deus quiser por pouco tempo”.

Três crianças

Três crianças soluçaram,

Ao triste som da meia noite

Na companhia da solidão

Três crianças esquecidas,

Soterradas dentro de mim

Uma delas a teimosia

Com olhos rebeldes

Trazia em um deles a maldição

Um menino chamado sorriso

Que era tão solto, estava doente.

Atrás desses dois a mais pequenina

Chama-se ela alegria

Trazia encravada, entre unhas e dedos o seu coração

Com olhos caídos

Fincados na terra, queria saber quem era ela.

A mais velha, a Teimosia

Perguntou-me tão ríspida

Se esse mundo era são

E me disse que ia partir

Enlaçando num abraço seus dois irmãos

Corram, corram crianças